Artrite Reumatóide forma juvenil: a máxima “quem gosta de velho é reumatismo” não é real!

Público alvo: leigo.

Pois a classificação dos reumatismos da infância e adolescência já deve ter trocado uma meia dúzia de vezes desde que me formei. Reumatismos crônicos da infância, poliartite crônica juvenil, artrite reumatóide juvenil, artrite idiopática juvenil e, a última pérola, artrite relacionada a entesites, são termos cunhados para tentar abranger as diversas formas de artrites das crianças e jovens.
Adiante o texto atualizado para ajudá-lo a melhor entender a artrite reumatóide característica deste grupo etário. Publiquei originalmente no livro Artrites & Reumatismos, do Grupo de Pacientes Artríticos de Porto Alegre.
*****
“Embora a artrite seja costumeiramente relacionada com pessoas de idade avançada, crianças também têm artrite. O nome sugere que a doença é similar à artrite de adultos, mas na realidade em crianças a doença é bastante diferente.
Caracterizada por inflamação crônica da membrana sinovial (membrana que envolve internamente as juntas) e sem causa conhecida, a artrite reumatóide juvenil é subdividida em 3 subtipos: pauciarticular (poucas juntas acometidas), forma sistêmica (pegando órgãos internos e juntas) e poliarticular (várias juntas afetadas). A doença é mais comum em meninas.
Os testes laboratoriais não são diagnósticos, embora o fator reumatóide, os anticorpos antinucleares e certos antígenos HLA colaborem para a classificação dos pacientes. Os antígenos HLA são moléculas na superfície das células que são responsáveis por rejeição de transplantes e que conferem suscetibilidade a certas doenças. Ha predisposição genética no caso de doença pauciarticular em crianças que estão chegando à adolescência e naquelas com espondiloartropatia familiar ligada ao HLA-B27.
Forma pauciarticular (ou oligoarticular)
Envolve poucas juntas. A artrite afeta menos de 4 juntas no período de 6 meses. Em metade dos casos envolve uma única junta, sendo a mais comum o joelho. A criança se sente bem, e o inchaço e dor são os únicos sintomas. Há dois subgrupos: o primeiro tem predomínio de meninas com menos de 6 anos com fator reumatóide e anticorpos anti-nucleares negativos, e o segundo de meninos com idade superior à das meninas, fator reumatóide e anticorpos anti-nucleares negativos mas HLA-B27 presente e história familiar positiva para enterite, colite, dor crônica nas costas ou psoríase. Costuma apresentar artrite em de forma assimétrica e nas extremidades inferiores.
Forma Sistêmica
É a forma mais dramática, atingindo cerca de 10% das crianças com artrite reumatóide juvenil. É chamada doença de Still. Neste subtipo meninos e meninas são afetados em proporções iguais. A criança desenvolve febre alta, cansaço, dor muscular e uma erupção cutânea que se apresenta em direção central, podendo manifestar-se a qualquer hora do dia, porém predominando no fim da tarde e início da noite. A doença pode envolver outros órgãos gerando aumento de volume do fígado (hepatomegalia), do baço (esplenomegalia) e ínguas pelo corpo (linfadenomegalias). Pode haver perda de peso, atrofia muscular e fraqueza. A crise pode durar dias, meses e desaparecer espontaneamente como apareceu. A maioria das crianças desenvolve poliartrite crônica após início da doença e em metade dos casos persiste após os sintomas sistêmicos terem regredido. O fator reumatóide e anticorpos anti-nucleares costumam ser negativos, o que torna o diagnóstico mais difícil. No exame de sangue leucocitose (indica inflamação) e anemia podem ocorrer. Esta forma é muitas vezes confundida com doença infecciosa e a criança recebe cargas de antibióticos e outros tratamentos sem qualquer melhora.
Forma poliarticular
Em 40% dos casos de artrite reumatóide juvenil há manifestação em 5 ou mais juntas, com evolução lenta. Este subtipo predomina em crianças próximas à adolescência, que apresentam uma intensa inflamação da membrana das juntas e líquido sinovial, semelhante à artrite reumatóide dos adultos. Costuma atingir o punho, os dedos e joelhos, podendo haver envolvimento da coluna na região mais alta do pescoço. O início é lento, com mal-estar, perda de peso, febre baixa, leve aumento dos órgãos e anemia. As meninas são mais afetadas na proporção de 3 para cada menino. A maioria dos pacientes apresenta artrite nos dois lados do corpo, de forma simétrica. O teste de látex para fator reumatóide é positivo em 15 a 20% dos casos e os anticorpos anti-nucleares em 40 a 60%. O fator reumatóide positivo está associado à presença de erosão articular, nódulos reumatóides e vasculite, tendo um pior prognóstico.
Em qualquer de suas formas, a doença pode determinar atraso no desenvolvimento das características sexuais secundárias (nas meninas os pêlos na vulva em apresentação triangular, seios e menstruação, e nos meninos os pêlos com distribuição característica losangular, alterações na voz e aumento de volume dos órgãos sexuais). O crescimento pode ser deficiente por inflamação na zona de crescimento dos ossos em decorrência da proximidade das juntas afetadas.
Prognóstico
A doença costuma desaparecer com o tempo, comumente quando a criança entra na puberdade. A maioria das crianças cresce como adultos normais sem sofrer seqüelas. Mas para isto é necessário um trabalho de prevenção para evitar a rigidez permanente, especialmente se o período ativo da artrite coincidir com o crescimento rápido. As crianças com artrite pauciarticular não terão problema com artrite na idade adulta, na maioria dos casos, assim como na forma sistêmica – neste subtipo há somente um terço de casos com persistência do problema. A artrite poliarticular apresenta o maior índice de persistência da artrite na idade adulta, acometendo 50% das crianças.
Tratamento
O diagnóstico e manejo adequado precoce são importantes para evitar deformidades e o crescimento ser normal para a idade. Embora seja uma doença crônica, 75% dos pacientes não apresentam perda funcional residual se tratados com antiinflamatórios. Muito comum é o uso de aspirina em doses de 75-90 mg/kg/dia, aumentada para 100-120 mg/kg/dia no subtipo poliarticular. Outros antiinflamatórios não hormonais como ibuprofeno e naproxeno são aprovados para pacientes com menos de 14 anos. Para crianças maiores qualquer antiinflamatório não hormonal pode ser usado. A medicação deve ser usada por 12 a 18 meses depois do término das manifestações clínicas da doença, pois a exacerbação frequentemente ocorre após remissões. Em verdade apenas o médico poderá dizer quando cessar os remédios.
Os corticóides são utilizados somente em períodos curtos de tratamento da doença de Still ou se problemas severos nos olhos ocorrerem. São altamente eficazes no controle dos sintomas, mas apresentam para-efeitos importantes quando utilizados a longo prazo, como cessação do crescimento.
Anti-maláricos como cloroquina e hidroxicloroquina, ou uso de metotrexate, podem ser efetivos no tratamento de base.
Nos últimos anos as formas mais resistentes de artrite juvenil têm sido tratadas com agentes biológicos, como infliximab, etanercepte e tocilizumabe. Em blogs futuros nos preocuparemos com indicações e para-efeitos de cada um destes. Discuta com o reumatologista se estes medicamentos são adequados para o caso de seu familiar. As respostas podem ser brilhantes.
Os exercícios físicos são indispensáveis para evitar a rigidez e atrofia muscular. A natação é o mais adequado, pois o impacto nas juntas é mínimo, diferente de atividades de alto impacto como a ginástica aeróbica, basquete e vôlei.
A cirurgia raramente é indicada, pois a artrite reumatóide juvenil costuma ser bem menos destrutiva que a forma do adulto. Em certos casos a remoção de líquido na junta ou injeções de corticóide são recomendadas. Cirurgias maiores, como próteses de quadril, devem aguardar a cessação da fase de crescimento na puberdade”.