Quando os músculos inflamam e fraquejam: as miosites

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Público alvo: leigos.

As miosites estão na ordem do dia, graças à prescrição desenfreada de estatinas para doentes “com colesterol alto” e os para-efeitos marcados deste grupo de medicamentos sobre as fibras musculares. Entre 5 e 20% das pessoas que utilizam estatinas têm problemas musculares como dores, fraqueza e cãimbras. Ainda mais frequente parece ser o aparecimento de dormências, formigamentos e outros sintomas relativos à presença de neuropatia periférica – um tipo de nevralgia crônica causada pelas estatinas e que normalmente não aparece na eletromiografia.
Abaixo um texto elucidativo sobre as várias formas de miosites, reumatismo da musculatura.
POLIMIOSITES E DERMATOMIOSITE
São miopatias inflamatórias idiopáticas (doenças inflamatórias dos músculos sem causa conhecida). Ambas estão entre as doenças autoimunes do tecido conjuntivo menos comuns (incidência anual de aproximadamente 5 casos por um milhão de indivíduos). Ocorrem mais em mulheres. Apesar de primariamente consideradas doenças do aparelho músculo-esquelético, a polimiosite e a dermatomiosite podem acometer também o coração, o trato digestivo e os pulmões. A causa e o mecanismo necessário para o desenvolvimento das miopatias inflamatórias ainda não estão bem definidos, mas muitos fatores estão sendo implicados. Entre eles está descrita a predisposição genética, isto é, a pessoa nasceria com uma certa característica em alguns de seus genes que permitiria o desenvolvimento da doença. Existem os casos relacionados ao uso de fármacos, mais comuns nos anos recentes com o uso das estatinas. Pistas indicam também que agentes virais seriam responsáveis por alguns casos. O estágio inflamatório da doença sugere uma patogenia imunológica, mas as vias ainda não estão completamente elucidadas. Autoanticorpos são encontrados na maioria dos pacientes, entretanto a lesão nas células musculares pode não ser causada diretamente por eles.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Fraqueza muscular simétrica do pescoço e membros superiores é a característica clínica dominante nestas miopatias. Entretanto, o início pode variar de súbito a insidioso, com evolução gradual e diferentes formas de gravidade. Mal estar e perda de peso podem estar presentes. As primeiras queixas frequentemente voltam-se para o quadril, sendo referida a dificuldade de subir escadas ou de levantar da cadeira. Posteriormente os sintomas envolvem os braços, ocorrendo dificuldade de erguer objetos, vestir roupas pesadas, fazer a barba ou pentear o cabelo. Fica difícil erguer a cabeça quando se está deitado. Outras características clínicas seriam dor muscular, sensibilidade nos músculos, dificuldade para mastigar, respiração curta, tendência a cair, fenômeno de Raynaud (arroxeamento de extremidades no frio), inchaço da face, febre, palpitação e voz anasalada. Ao examinar o paciente, o médico encontra fraqueza nos músculos dos membros superiores distribuida difusa e simetricamente. Pode também observar certa atrofia e dor à palpação dos músculos. Contraturas podem surgir com a progressão do quadro não tratado.
Na dermatomiosite as manifestações cutâneas podem surgir antes ou durante o envolvimento muscular. Sinais patognomônicos (tipicamente só encontrados aqui) seriam as pápulas de Gottron (1/3 dos pacientes), que são violáceas, cobrindo a superfície dorsal das articulações das mãos, e o heliótropo, uma erupção eritematosa e violácea na face, na região periorbital (em volta dos olhos). Regiões sensíveis à luz, como o pescoço e ombros, podem se mostrar com grandes manchas avermelhadas. Áreas como o pescoço podem ficar hipopigmentadas (descoloridas). O envolvimento cardíaco é incomum, mas contribui significativamente para a mortalidade. Expressa-se por arritmias, insuficiência cardíaca congestiva ou pericardite. A doença pulmonar pode resultar da fraqueza dos músculos da respiração, fibrose do pulmão ou aspiração por refluxo de conteúdos do estômago. Disfagia (dificuldades para engolir) e refluxo gastro-esofágico (retorno dos alimentos e ácidos do estômago para o esôfago) são comuns apenas em casos mais graves. Pacientes bem tratados desde o início têm grande probabilidade de não apresentar qualquer complicação.
ACHADOS LABORATORIAIS
Os resultados na maioria dos testes são normais, com excessão do aumento das várias enzimas associadas ao aparelho muscular: transaminases (TGO, TGP), creatinoquinases (CPK), lactato desidrogenase (LDH) e aldolase. O exame mais sensível para detectar inflamação nos músculos é a CPK, mas há casos de polimiosite com exames laboratoriais normais. Testes de enzimas musculares alterados podem ser de grande auxílio para o médico, eis que determinações seriadas poderão refletir melhora do paciente e possibilidade de redução da dose dos medicamentos.
Vários autoanticorpos podem estar presentes, determinando diagnóstico e prognóstico – há anticorpos que marcam doença com evolução mais branda, outros que trazem preocupação com quadros mais severos e envolvimento dos pulmões. Por exemplo, anticorpos anti-Jo1 no sangue do paciente faz com que deva se pensar em uma doença mais agressiva para músculos, com tendência à fibrose dos pulmões e necessidade de maiores doses de medicamentos imunossupressores.
Uma novidade recente foi a descoberta de anticorpos anti-HMGCR, que marcam a presença de miosite por estatinas.
DIAGNÓSTICO
biópsia muscular é geralmente solicitada para se estabelecer o diagnóstico. No exame do tecido observa-se um infiltrado inflamatório difuso ou focal circundando as fibras musculares e os pequenos vasos. A eletromiografiatambém auxilia no diagnóstico, inclusive orientando qual o melhor músculo para biópsia, ou seja, aponta qual o ponto que mais acometimento apresenta. É importante que seja diferenciada a polimiosite de quadros semelhantes quanto às queixas do paciente, porém de outra origem: são as chamadas miopatias metabólicas, doenças dos músculos por defeitos no metabolismo e na maneira como os músculos conseguem utilizar combustíveis orgânicos como os açúcares e gorduras. Biópsias de músculo com exames especiais, chamados coletivamente de imunohistoquímica, podem determinar se o problema é metabólico ou se de fato há inflamação.
ressonância magnética pode mostrar os sítios de inflamação muscular mais ativa e orientar sítios de biópsia, além de ser bom método para se acompanhar os resultados do tratamento. A vantagem é não oferecer radiação ao paciente, porém infelizmente ainda se trata de um exame caro.
Na história clínica é fundamental se saber se a pessoa utiliza medicamentos que possam causar miosite, como as estatinas e medicamentos para disfunção erétil e próstata, como o Cialis. Cãimbras são muito frequentes nestas situações e o desconforto muscular nas pernas é debilitante. A CPK pode estar bem elevada no sangue. Retirando-se a medicação há melhora e cura do quadro, porém isto pode tardar de 2 semanas a 1 ano. O reumatologista deve coordenar este tratamento com o cardiologista ou clínico que prescreveu as estatinas.
TRATAMENTO
Terapia com altas doses diárias de corticosteróides via oral é o tratamento inicial contra a polimiosite e a dermatomiosite. Por altas doses entende-se algo em torno de 1 mg de corticóide para cada Kg de peso da pessoa. Se você tem 60 Kg, então o médico receitará 60 mg de prednisona ou equivalente. Há também a possibilidade de se aplicar a chamada pulsoterapia, que diminui o potencial de para-efeitos dos corticóides. Trata-se de dose muito elevada da medicação, porém aplicada por apenas 3 a 5 dias, na forma de infusão endovenosa. Neste caso o paciente permanece sob monitoração em ambiente hospitalar e coloca-se potássio no soro para evitar arritmias e outras complicações.
Estudos demonstraram que a terapia com corticóides consegue diminuir o processo inflamatório, normalizar os níveis das enzimas musculares e reduzir qualquer complicação associada à doença. Diminui-se a dosagem à medida que os níveis das enzimas no sangue vão se reduzindo, porém este é o reumatismo inflamatório em que por mais tempo se mantém doses elevadas do corticóide. Diminuição muito rápida do remédio levará a recidivas do quadro clínico.
É importante adicionar agentes imunossupressores no tratamento, inclusive para efeito poupador das doses de corticóides. Estes seriam a azatioprina, metotrexate, ciclofosfamida ou o clorambucil. Outros tratamentos existem, muitas vezes mais caros ou experimentais, mas não menos eficazes, como as gamaglobulinas endovenosas e agentes biológicos como o rituximabe. Para calcificações abaixo da pele, que ocorrem principalmente em crianças após a fase aguda da dermatomiosite, não há ainda tratamento específico. Diltiazem, probenecide e bisfosfonatos podem ser tentados. Recomenda-se não operar as massas de cálcio, infecções severas e não-fechamento do ferimento cirúrgico podem sobrevir.
Pacientes com dermatomiosite e fotossensibilidade devem se proteger da radiação ultravioleta (em geral proveniente do sol, lâmpadas fluorescentes em casa ou no local de trabalho, telas de computador, etc) pelo uso de protetor e de hidroxicloroquina via oral.
Hoje em dia se preconiza o trabalho de fisioterapia motora desde o diagnóstico, com exercícios suaves e alongamentos. O objetivo é evitar contraturas musculares e fraqueza exagerada, com mais rápido retorno às atividades de vida diária, quando a doença estiver sob bom controle pela terapêutica.”