DISFAGIA – DIFICULDADE PARA ENGOLIR
Disfagia é o termo médico utilizado quando o paciente refere dificuldade para engolir. A disfagia não está necessariamente associada à dor para engolir, mas sim a uma sensação subjetiva de dificuldade de fazer o alimento percorrer o caminho entre a boca e o estômago. A dor para deglutir é chamada de odinofagia e está habitualmente relacionada a quadros de inflamação da garganta. Odinofagia e disfagia são sintomas diferentes, que costumam ocorrer em doenças distintas, daí a importância de saber distingui-las.
Em geral, a dificuldade para engolir é um sintoma que deve ser levado muito a sério, pois ela pode ser um sinal de doenças graves, como tumores do esôfago ou problemas neurológicos.
Neste artigo vamos explicar como é feito o processo normal de deglutição, quais são as principais causas de disfagia e os seus sintomas habituais.
PROCESSO NORMAL DE DEGLUTIÇÃO
A disfagia é um dos principais distúrbios da deglutição. Portanto, para entender as suas possíveis origens, é importante saber como esse processo é normalmente feito.
Ao contrário do que nos diz o senso comum, o processo de deglutição é muito mais complexo do que uma simples ação da gravidade, que permite a descida do bolo alimentar por um tubo que liga a boca ao estômago. Na verdade, você pode até estar de cabeça para baixo, que, ainda assim, qualquer coisa que você engula será transportado através do esôfago até o estômago.
Vamos então à explicação de como esse processo funciona. Dê uma olhada com calma nas ilustrações que serão fornecidas sobre a anatomia básica da boca, faringe e esôfago. Se você não tiver interesse em aprender como o processo de deglutição se dá, pule diretamente para a próxima parte do texto, que aborda as causas da disfagia.
1- Fase oral da deglutição
A deglutição começa com o processo de mastigação, que umidifica a comida e a transforma em bolo alimentar maleável, com formato e tamanho apropriados para ser engolido. Após uma mastigação rápida, nossa língua move-se de forma a empurrar a bolo alimentar em direção à faringe. Essa parte inicial é chamada de fase oral da deglutição e é feita através da contração voluntária dos músculos da face e cavidade oral.
2- Fase faríngea da deglutição
Ao chegar na faringe, o processo de deglutição torna-se involuntário, ou seja, ele é feito de forma automatizada sem que precisemos ter ciência de cada passa que será dado. Como a faringe é uma via comum para o ar que respiramos e o alimento que comemos, para que não haja risco do bolo alimentar ir em direção aos pulmões, a passagem para a laringe/traqueia precisa ser ocluída no momento em que estamos engolindo algo. Nós, portanto, não conseguimos engolir e respirar ao mesmo tempo.
Essa proteção das vias aéreas ocorre graças à epiglote, uma estrutura em forma de lâmina, que fica por trás da língua e age como um portão, fechando a passagem para a traqueia toda vez que a língua faz o movimento de deglutição. Uma vez que a comida ou a bebida tenham passado em direção ao esôfago, a epiglote volta à sua posição original, permitindo o reinício da respiração.
Essa fase é chamada de fase faríngea da deglutição, e é feita através da contração involuntária dos músculos da faringe, que é comandada pelos nervos cranianos XI (nervo glossofaríngeo) e X (nervo vago). Essa informação sobre os nervos é importante para entender o porquê de algumas doenças neurológicas serem causas comuns de dificuldade para engolir.
3- Fase esofagiana da deglutição
A última fase da deglutição é a fase esofagiana, que consiste na passagem do alimento pelo esôfago. No início e no fim do esôfago existem dois músculos em formato de anel, chamados, respectivamente, de esfincter esofagiano superior e esfincter esofagiano inferior. A função de ambos os esfincteres é impedir que o conteúdo presente no estômago volte em direção à boca.
Assim que o bolo alimentar chega ao final na faringe, o esfincter esofagiano superior abre-se, permitindo a passagem da comida em direção ao esôfago. Imediatamente após a passagem do bolo alimentar, o esfíncter superior se fecha, para que a comida não consiga voltar para a orofaringe. Neste mesmo momento, o esfíncter inferior abre-se, permitindo a passagem da comida para o estômago.
Como já referido, o bolo alimentar não desce pelo esôfago por causa da gravidade. Ele é, na verdade, empurrado para baixo através de uma série de contrações musculares sincronizadas, que criam um onda de peristalse, meio que “ordenhando” a comida para baixo. Esse processo leva de 8 a 20 segundos para levar a comida do esôfago ao estômago e é feito de forma totalmente involuntária e inconsciente, sendo controlado por nervos que saem da medula espinhal.
Esse é, portanto, de forma bem simplificada, o processo de deglutição. A disfagia pode surgir sempre que existir algum problema em qualquer uma das fases que acabamos de descrever.
CAUSAS DE DIFICULDADE PARA ENGOLIR
Existem dezenas de causas para disfagia, que podem ser divididas em diversos grupos, tais como causas neurológicas, musculares, farmacológica, anatômicas, esofagianas, etc.
Vamos descrever sucintamente as principais causas da disfagia. Não tente se autodiagnosticar a partir das explicações abaixo, pois as causas são diversas e o diagnostico da disfagia sem a realização de exames complementares pode ser difícil até para os médicos.
Se você tem dificuldade para engolir, não adianta querer ficar tentando adivinhar o que tem, o correto é procurar logo ajuda profissional, pois algumas causas de disfagia são graves, mas podem ter tratamento eficaz se diagnosticadas precocemente.
1- Obstruções físicas da faringe ou do esôfago
Uma causa comum de dificuldade para engolir é a presença de um obstáculo físico à passagem do alimento pela faringe ou esôfago. Esse obstáculo pode ser desde um tumor maligno ou benigno na faringe ou dentro da luz do esôfago (chamamos de luz do esôfago a parte central e oca do órgão, que é por onde a comida passa) até reduções do calibre interno do esôfago provocadas por inflamações ou pelo desenvolvimento de cicatrizes no seu interior.
Algumas causas de disfagia por obstrução física da faringe ou do esôfago são:
- Tumores do esôfago ou da faringe – câncer do esôfago é uma causa comum de dificuldade para engolir.
- Tumores do pescoço – tumores ao redor da faringe ou do esôfago, como tumores da tireoide, podem, raramente, ser causa de disfagia.
- Redução do calibre do esôfago – geralmente é causado por cicatrizes provocadas por quadros de esofagite (inflamação do esôfago) de longa data, secundária à doença do refluxo gastroesofágico.
- Anel de Schatzki – é um estreitamento do esôfago de causa benigna, provocado pelo aparecimento de lesões em forma de anel dentro do órgão.
- Divertículos do esôfago – divertículos são pequenos sacos que se formam dentro da luz do esôfago, que podem se encher de alimentos e provocar obstrução da passagem. O mais famosos é o chamado divertículo de Zenker, que surge geralmente no terço superior do esôfago.
- Má formações do esôfago – deve se desconfiar quando a dificuldade para engolir surge logo nos primeiros anos de vida.
- Radioterapia – pacientes submetidos à radioterapia para tumores do pescoço ou tórax podem desenvolver, como efeito colateral, lesões constrictivas do esôfago.
- Esofagite infecciosa – inflamações do esôfago por infecções, como herpes, candidíase ou citomegalovírus, podem provocar inflamação da parede interna e dificultar a passagem dos alimentos.
- Membrana esofágica – As membranas esofágicas (síndrome de Plummer-Vinson) são membranas finas que se desenvolvem no interior do esófago, habitualmente em pacientes com anemia por carência de ferro.
- Esofagite eosinofílica – é uma doença que ocorre por infiltração da parede do esôfago por eosinófilos, um dos grupos de células de defesa do sistema imunológico. Esse ataque torna a parede do esôfago inflamada e rígida, impedindo a passagem de bolos alimentares mais volumosos.
A causa mais comum de disfagia súbita é a impactação de um alimento dentro do esôfago, geralmente um grande pedaço de carne. Isso costuma ocorrer quando o paciente já apresenta alguma pequena lesão dentro do esôfago, como anéis , estricturas ou membranas, que não causam problemas quando o bolo alimentar é pequeno, mas podem impedir a passagem de grandes pedaços de carne.
2- Causas de origem neurológica
Todo o processo de deglutição é controlado pelo sistema nervosos central, inicialmente de forma voluntária e consciente, e a partir da fase faríngea, de forma involuntária e inconsciente. Doenças neurológicas, portanto, podem causar dificuldade para engolir, não só por atrapalhar o ato de mastigar quanto por impedir a movimentação adequada da língua e dos músculos da orofaringe na hora da deglutição.
Algumas doenças que podem provocar uma disfagia de origem neurológica são:
- AVC (leia: 7 SINTOMAS DO AVC – DERRAME CEREBRAL).
- Doença de Parkinson (leia: DOENÇA DE PARKINSON | Sintomas e tratamento).
- Esclerose múltipla (leia: ESCLEROSE MÚLTIPLA | Sintomas e tratamento).
- Esclerose lateral amiotrófica (leia: Esclerose Lateral Amiotrófica | Doença do Neurônio Motor).
- Miastenia gravis.
- Traumatismo craniano.
- Tumores do sistema nervoso central (leia: SINTOMAS DE TUMOR CEREBRAL).
3- Doenças do músculo do esôfago
O esôfago é um órgão revestido por músculos que se contraem de forma sincronizada para empurrar os alimentos em direção ao estômago. Doenças que acometam essa musculatura costumam causar distúrbios no transporte do bolo alimentar através do esôfago.
Algumas doenças que provocam dificuldade para engolir por acometerem a musculatura do esôfago são:
- Acalásia.
- Esclerose sistêmica.
- Doença de chagas (leia: DOENÇA DE CHAGAS).
- Síndrome de Sjögren (leia: SÍNDROME DE SJÖGREN).
- Transtornos da motilidade do esôfago de causa desconhecida.
4- Outras causas de dificuldade para engolir
As doenças descritas acima são apenas algumas das causas de disfagia. Existem muitas outras, inclusive medicamentos, como cloreto de potássio, anti-inflamatórios e alguns tipos de antibióticos (doxiciclina, clindamicina e tetraciclina).
Uma hipótese diagnóstica que deve ser lembrada, principalmente quando todos os exames se mostram normais, é a chamada disfagia funcional, que é uma dificuldade para engolir sem que haja qualquer doença que a justifique. Este diagnóstico é um diagnóstico de exclusão, o que significa que ele só pode ser dado após o médico ter descartado a existência de qualquer doença que justifique os sintomas.
SINTOMAS DA DISFAGIA
Todos os pacientes com disfagia têm uma queixa em comum: sensação de dificuldade para engolir. Porém, a forma como cada paciente descreve a sua disfagia costuma variar de acordo com a origem do problema.
Pacientes com disfagia por transtornos na orofaringe geralmente queixam-se de dificuldade para iniciar a deglutição. Quando questionados em que ponto especificamente sentem dificuldade para deglutir, a região do pescoço costuma ser a apontada. Este tipo de disfagia costuma vir acompanhada de outros sintomas, tais como salivação excessiva, derramamento do alimento, necessidade de engolir pequenos bolos de comida de forma repetida, rouquidão, engasgo frequente, tosse ao comer ou dificuldade para falar.
A aspiração de alimentos é uma das complicações possíveis da disfagia de origem orofaríngea, o que pode levar a quadros de infecção pulmonar.
Por outro lado, quando a disfagia tem origem no esôfago, os sintomas costumam ser bem diferentes. O paciente não tem dificuldade para engolir a comida, mas, segundos depois do alimento ter sido deglutido, ele sente uma sensação de que o bolo alimento empacou. Quando questionados em que ponto especificamente sentem dificuldade para deglutir, a região do peito é geralmente a mais apontada.
Quando os pacientes apresentam uma disfagia sugestiva de origem esofágica, alguns detalhes precisam ser elucidados. Por exemplo, se a disfagia ocorre de forma semelhante para líquidos e sólidos, o problema é provavelmente devido a uma desordem da motilidade do esôfago. Em contraste, se a disfagia for predominantemente para sólidos, ou se for uma disfagia que iniciou com sólidos, mas com o tempo foi evoluindo também para líquidos, o mais provável é que haja uma obstrução mecânica em crescimento, como um tumor, por exemplo. Sintomas associados à dificuldade de engolir, como azia, perda de peso, vômito sanguinolento, anemia ou regurgitação frequente de alimentos não digeridos também ajudam a definir as causas mais prováveis.
DIAGNÓSTICO DA DISFAGIA
O médico indicado para investigar casos de disfagia é o gastroenterologista. Se a disfagia for claramente de origem orofaríngea, o médico otorrinolaringologista também pode ajudar na investigação.
Em geral, o primeiro exame a ser solicitado é a endoscopia digestiva (leia: ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA), que é capaz de diagnosticar diversas causas de disfagia, tais como a presença de tumores, anéis, membranas, esofagite e divertículos. Se a endoscopia for normal, exames como a esofagografia com bário ou a manometria esofágica costumam ser o próximo passo.
TRATAMENTO DA DISFAGIA
Como a disfagia é um sintoma, e não uma doença, o seu tratamento depende, obviamente, da sua causa. Doenças completamente distintas, como tumores, AVC e refluxo gastroesofágico podem até apresentar sintomas semelhantes, mas o seu tratamento é completamente diferente.
Portanto, sem ter um diagnóstico estabelecido, não é possível indicar um tratamento adequado para a disfagia do paciente.
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