ARTRITE REUMATÓIDE
Artrite Reumatóide uma visão geral.
Público alvo: leigo
Dentre as doenças autoimunes mais comuns, a artrite reumatóide afeta entre 0,4 e 0,7% da população. A visão de dedos crispados e tortos é apenas isto, um medo do passado. Novos tratamentos colocam o médico em amplas condições de frear a evolução da doença e, muitas vezes, chegar a uma remissão completa. Leia o texto a seguir, atualizado de publicação no livro Artrites & Reumatismos, do Grupo de Pacientes Artríticos de POA, para uma idéia concisa do problema e suas soluções.
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“A artrite reumatóide é o mais comum tipo de artrite inflamatória, chamada também de doença reumatóide para enfatizar sua natureza generalizada: pode envolver não apenas as juntas, mas também vários outros órgãos internos: olhos, coração, pulmão, vasos sanguíneos, pele, músculos e nervos. Muitos pacientes não desenvolvem complicações orgânicas e podem manejar com mais tranquilidade a doença.
Sintomas
Os pacientes com artrite reumatóide frequentemente sentem-se como se estivessem adoecidos com gripe, com dores musculares e fadiga. No entanto, ao contrário de uma doença viral, a condição pode persistir por meses ou anos. A fadiga pode ser incorretamente atribuida à depressão. Ao ser diagnosticada a origem de seus sintomas o paciente sente-se gratificado por saber que a doença não é fruto da sua imaginação.
A artrite reumatóide é uma doença comum que afeta até 1% da população. A maioria destas pessoas são mulheres, numa proporção de 3 pacientes do sexo feminino para 1 homem. Cerca de 80% dos pacientes estão entre os 20 e 50 anos de idade, embora a doença possa começar em qualquer idade. As formas mais severas e sem tratamento adequado podem resultar em deformidade das juntas dos dedos de mãos ou pés, punhos, joelhos, cotovelos e ombros. Geralmente os dois lados do corpo são afetados e a artrite é dita simétrica. Os prejuízos entre os dois lados são diferentes, muitas vezes com o lado direito sendo prejudicado mais em dextros e vice-versa.
Em cerca de 20% dos pacientes surgem nódulos abaixo da pele com tamanhos que variam de uma ervilha a uma bolinha de naftalina. Comumente se localizam próximo ao cotovelo na área que em que se apóia o braço. São consequência de uma inflamação localizada, que surge e desaparece no curso da doença. Eles tendem a ocorrer em pessoas com tipos mais severos de artrite e com fator reumatóide positivo (veja adiante). Raramente os nódulos podem se tornar feridas ou infectar, principalmente se estiverem ao redor do tornozelo. Mais raramente se formam no pulmão ou no coração.
Nos dedos das mãos, as juntas próximas às unhas não são afetadas, no entanto as juntas da base dos dedos são as mais doloridas e inchadas. Se a mão inteira for atingida há um desvio dos dedos para fora e lateralmente. Em casos adiantados os músculos sofrem alterações, atrofiando e causando luxação na articulação por posição viciosa da junta. Luxação é quando o contato de um osso com o outro dentro da junta se perde (ver figura).
Além dos problemas das juntas, frequentemente há dor muscular, febre baixa, fadiga e rigidez matinal nas juntas. Esta rigidez é a característica mais típica da artrite. Ocorre após um período de descanso, podendo perdurar por muitas horas. Mesmo a imobilização por alguns minutos gera dificuldade para se mover, mas após a mobilização torna-se fácil e menos dolorosa.
O que ocorre dentro das juntas?
Na artrite reumatóide a membrana sinovial que reveste a junta torna-se inflamada. É a chamada sinovite, com presença de células inflamatórias que dá aparência de inchaço e edema ao toque. O fluxo de sangue aumenta com a inflamação e a junta fica aquecida. As células inflamatórias liberam enzimas, causando irritação, dor e maior produção de líquido dentro da articulação – ao que o médico chama de derrame articular. Durante anos de processo contínuo as enzimas podem deteriorar a cartilagem e os ossos da junta, causando dano muitas vezes irreparável.
Testes laboratoriais
Os testes laboratoriais podem ajudar a reconhecer a artrite reumatóide, se está ou não em atividade. O fator reumatóide (às vezes chamado de látex) é o teste mais usado. É um anticorpo determinado nas proteínas do corpo que pode também ser encontrado em outras doenças: são os chamados falsos positivos. Embora possa ser negativo nos primeiros meses, o fator reumatóide é positivo em até 80% dos pacientes com artrite reumatóide. Outro anticorpo importante é o anti-CCP (peptídeo citrulinado cíclico), presente em 50% dos casos mais iniciais. Sua presença significa doença potencialmente mais grave. O exame da hemossedimentação (VSG ou VHS, velocidade de sedimentação globular ou de hemossedimentação), feito no sangue, verifica com que velocidade os glóbulos vermelhos (hemáceas) se depositam por gravidade no tubo de laboratório. Nos homens os valores são menores. O exame tem valor se a hemossedimentação está elevada, mas tem o inconveniente de que outras infecções ou inflamações alteram o seu resultado. Diz-se que é um teste muito inespecífico.
Já o exame de sangue completo (hemograma) revela anemia quando a doença está ativa. À medida que o tratamento vai fazendo feito tende a desaparecer. Constitui-se, portanto, num bom índice para verificar se a doença está sendo bem controlada. O médico poderá indicar outros exames de laboratório como fator anti-nuclear (FAN), proteinograma e exames de rotina para fígado e rins. Estes últimos servirão para controlar os efeitos da medicação em seu organismo.
O exame radiológico, nos primeiros meses da doença, não costuma apresentar alterações, mesmo em doença severa. Com o passar do tempo, e sem tratamento adequado, surgem osteoporose perto das juntas e erosões – zonas de rarefação do osso devido à inflamação.
O líquido da junta às vezes é examinado através de uma punção na articulação para auxiliar no diagnóstico e verificar se as juntas estão infectadas com bactérias. Vários exames podem e devem ser solicitados neste importante líquido biológico.
Formas da doença
A artrite reumatóide é uma condição relacionada com a imagem de uma pessoa em cadeira de rodas e mãos curvadas. É verdade que tais pacientes muitas vezes têm artrite reumatóide, e em boa parte dos casos um tratamento adequado e precoce poderia prevenir tais danos. O curso da artrite reumatóide geralmente tem três padrões: o primeiro é caracterizado por poucos meses de doença, não levando à incapacidade, é o chamado curso monocíclico. O segundo padrão envolve vários episódios de doença intercalados com períodos de regressão. Este é o chamado policíclico e geralmente não ocasiona muitos danos físicos. O terceiro padrão, provavelmente o mais comum, é crônico, com doença contínua por anos ou até mesmo a vida toda. Até mesmo nestes os danos físicos mais graves são incomuns, uma vez que tratamentos poderosos estão à disposição. O curso crônico é sugerido quando há presença de fator reumatóide no teste sanguíneo e se os problemas decorrentes da doença forem contínuos pelo período de um ano.
Mesmo nas formas mais severas a artrite reumatóide tende a ser muito menos agressiva com o tempo (após muitos anos), diminuindo a rigidez e dificilmente envolvendo novas juntas. Entretanto, os danos em ossos e ligamentos persistem, por isso é importante manter o tratamento correto para que as juntas trabalhem bem quando a doença involuir.
Tratamento
Os programas de tratamento são prolongados e o paciente deve ser informado sobre as possibilidades de evolução. Seu resultado é adequado quando a vida do paciente é mantida próximo do normal. Os aspectos psicológicos devem ser enfatizados, pois têm grande importância no desencadear da doença e surgimento de crises.
É necessário reduzir a inflamação para interromper o processo que danifica as juntas. Medicamentos que normalmente diminuem a dor, como aspirina ou paracetamol, podem aumentar o conforto, mas não diminuem a artrite. Por outro lado, não esquecer que a dor em si ajuda a proteger a junta evitando o seu uso excessivo.
Repouso e exercícios. A parte essencial do tratamento é o equilíbrio entre repouso e exercícios. O repouso reduz a inflamação mas também, quando exagerado, permite que as juntas enrijeçam e os músculos enfraqueçam, tornando os tendões menos fortes e os ossos mais frágeis. O corpo dá sinais sobre os seus limites, que você deverá conhecer. Exercícios excessivos devem ser evitados em fases mais agudas e com maior dor articular. Se uma atividade parece não causar problema, esta deve ser estimulada. Uma junta particularmente dolorosa pode ser poupada com o uso de uma tala. Contudo, ela deve ser exercitada com movimentos cuidadosos para prevenir a rigidez. A tala pode ser usada em períodos programados do dia, como durante a noite. Deve-se dar prioridade a exercícios que acrescentem um bom tônus muscular ao invés de exercícios que exijam grande força muscular. Caminhar e nadar são exercícios adequados desde que não forcem as juntas. Os exercícios devem ser feitos buscando resultados de longo prazo, pois são melhores que atividades que estressem excessivamente as juntas. Bom senso e um programa regular, prolongado no tempo, são as chaves do sucesso.
Fisioterapia. Terapeutas físicos e ocupacionais podem auxiliar com informações específicas e conselhos úteis. Ajudarão a desenvolver um programa de exercícios caseiros a fim de criar hábitos para proteção e fortalecimento das juntas, além de orientar sessões para reabilitação na fisioterapia. A aplicação de calor local nas juntas pode trazer benefícios nas fases com menor atividade, ou quando espasmos musculares estão presentes. Pode ser obtido com compressas quentes, lâmpada infra-vermelha ou lâmpadas comuns. Se muitas juntas forem atingidas banhos de imersão trazem benefícios. Há a possibilidade de tratamento em piscinas especiais ou estações de água com vários tipos de banhos (turbilhão, alternar banhos frios e quentes em certas partes do corpo, ditos “de contraste”). Já as compressas de gelo têm sido mais indicadas nas fases agudas, produzindo maior alívio da dor. No surto agudo de dor há aquecimento da junta e neste momento a aplicação de calor deve ser evitada. Massagens podem ser recomendadas para aliviar as dores e estimular a circulação. Devem ser feitas nos músculos vizinhos à junta atingida e evitadas na fase aguda da doença. O tempo de duração pode variar de 5 a 15 minutos. Observar se surgiu fadiga no dia seguinte para evitar o excesso.
Medicamentos. A medicação é necessária se as medidas físicas e comportamentais não forem suficientes, o que ocorre via-de-regra. Os remédios são continuados por meses ou anos. É comum que as drogas mais potentes tenham os piores efeitos adversos, embora muito felizmente a maioria dos pacientes não necessite de drogas mais tóxicas. Os anti-inflamatórios (Indocid, Voltaren, Naprosyn, etc.) são as drogas mais importantes em uso isolado, pois são um poderoso instrumento para se contornar a inflamação das juntas, melhorar as dores, diminuir a febre, com um nível aceitável de efeitos adversos. O uso de aspirina pode ser tentado com os mesmos resultados, mas a chance é maior de chegarmos a ver úlceras de estômago, além de outros para-efeitos. Isto porque a aspirina ou AAS devem ser ingeridos na dose de 4 g ao dia (8 comprimidos de 500 mg!) para ter efeito anti-inflamatório.
Se agentes anti-inflamatórios não forem suficientes, pode-se usar os corticóides, chamado tratamento hormonal, com efeitos adversos proeminentes a longo prazo. Seu uso é indicado em pequenas doses, com cuidados quanto à ingestão. A logística é de usar a menor dose possível pelo menor prazo de tempo. Doses adequadas de manutenção se situam em torno de 10 mg por dia de prednisona (Meticorten, Predsin) ou o equivalente de outros corticóides (Calcort, Decadron, Celestone). Os corticóides podem ser usados para infiltrações, aplicações locais de corticóide em juntas inflamadas através de injeções.
Mas para fazer com que a doença desapareça, necessita-se lançar mão de outras classes de medicamentos, ditos agentes remissivos. Os anti-maláricos como o difosfato de cloroquina e a hidroxicloroquina se constituem em uma ótima alternativa no tratamento da artrite com um efeito gradual na diminuição da inflamação. O cuidado maior deve ser em relação aos para-efeitos desta classe de medicamentos na retina, com visitas periódicas ao oftalmologista.
Uma alternativa cada vez mais utilizada em substituição ou conjuntamente com os anti-maláricos é o remédio chamado metotrexate. Trata-se de um agente usado há décadas no tratamento de leucemias e outros tumores e que, em doses pequenas, tem um efeito muito benéfico na artrite reumatóide. Os cuidados maiores são em relação ao fígado. O metotrexate não deve ser ingerido com bebidas alcoólicas. Outras drogas imunossupressoras são poderosas, podendo ser prejudiciais. Apenas um médico experimentado poderá indicar tais medicamentos, como azatioprina, micofenolato, leflunomida, para extrair o máximo de benefício.
As injeções de sais de ouro e a penicilamina são hoje pouco usadas. No passado eram a única alternativa aos corticoides, levavam à remissão da artrite em bom número de pacientes, porém às custas de muitos para-efeitos.
O surgimento de drogas ditas biológicas, como etanercepte, infliximab, adalimumabe e outras, a partir de 1998, trouxe uma revolução na terapia da artrite reumatoide. Casos que não respondem ao programa inicial com drogas como o metotrexate, leflunomida e outras, são candidatos ao uso desta classe de medicamentos.
Cirurgia. A cirurgia pode restaurar a junta danificada através de uma prótese, mas deve ser avaliada quanto aos riscos e benefícios em cada caso. Quando indicada os procedimentos mais comuns são: a substituição de quadril, joelho ou ombro. Outras cirurgias, como aquelas por artroscopia, podem ter resultados ótimos quando indicados no momento certo. A ressecção de nódulos nos dedos ou em outras partes do corpos poderá ser indicada por seu reumatologista.
A artrite reumatóide é uma das mais complicadas e misteriosas doenças conhecidas. É um desafio para o paciente, o médico e a medicina. Felizmente o curso pode ser dramaticamente alterado na maioria dos pacientes, com retorno a uma vida familiar e profissional saudável e proveitosa”.
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