Manifestações clínicas e diagnostico da artrite reumatóide
A artrite
reumatóide é uma doença reumática inflamatória sistémica, de etiologia
desconhecida e de evolução crónica, que envolve primariamente as
articulações. Nos casos clínicos típicos manifesta-se sobre a forma de
uma poliartrite (definida pelo envolvimento de três ou mais
articulações), bilateral (afecta articulações nos dois lados do corpo) e
simétrica (afecta as mesmas articulações dos dois lados do corpo) de
predomínio distal, com envolvimento subsequente de articulações mais
proximais, de forma progressiva, destrutiva e deformante. Esta evolução
culmina, após 10 a 20 anos de evolução da doença, em particular nos
doentes com resposta parcial aos tratamentos instituídos, em algum grau
de incapacidade motora.
Diagnóstico da artrite reumatóide
A
forma mais típica da doença (artrite reumatóide “clássica”)
caracteriza-se por um início gradual, existindo como sintomas
predominantes a dor articular, a rigidez articular, em particular de
manhã ao acordar (rigidez matinal), e o edema
de várias articulações, tipicamente das pequenas articulações das mãos e
pés – articulações metacarpo-falângias, interfalângicas proximais – e
punhos, podendo também estar envolvidas outras articulações dos membros
superiores e inferiores, como cotovelos, ombros, joelhos e
tíbio-társicas.
A rigidez matinal
pode durar minutos a horas e a sua duração é uma medida da actividade da
doença. A rigidez matinal ou após períodos de repouso mais ou menos
prolongados é definida5 como lentidão ou dificuldade na mobilização
articular dos dois lados do corpo (simétrica) e que melhora com o
movimento.
A rigidez matinal ou após
inactividade, pode acompanhar virtualmente todas as artropatias e
miopatias inflamatórias. No entanto, uma rigidez matinal de duração
superior a uma hora reflecte uma gravidade de inflamação articular que
raramente ocorre noutra doença que não a artrite reumatóide.
O
diagnóstico da artrite reumatóide evoluída é realizado, pelo
reumatologista e outros clínicos com experiência na observação destes
doentes, de forma imediata e “à entrada do consultório”, a partir de uma
rápida perscrutação das mãos, que apresentam deformações articulares
típicas (Figuras 1 e 2).
De facto, as
mãos de um doente reumático oferecem tanta informação em relação à sua
doença que muitas vezes se usa a expressão de P. Hench: “as mãos são o
cartão de visita do doente reumático”. Constituem, no entanto,
verdadeiros desafios diagnósticos as formas precoces e iniciais da
doença e as formas atípicas.
Uma vez
que não existe um único teste clínico, radiológico ou serológico que
permita o diagnóstico de certeza de artrite reumatóide, este é realizado
a partir da conjugação da clínica (sinais e sintomas e sinais
característicos), bem como de dados laboratoriais e radiológicos.
Deve
ser realizada uma história clínica completa, com atenção particular ao
exame articular e aos componentes dor, rigidez e incapacidade funcional.
Uma anamnese cuidada deve incluir pesquisa de derrame e sinovite
articular, limitação da mobilidade articular e manifestações
extra-articulares de AR, bem como alguns sinais de doenças que entram no
diagnóstico diferencial com esta patologia.
“Em Setembro de 2010 foram publicados os critérios do ACR/EULAR para a classificação da artrite reumatóide.
Estes
novos critérios de diagnóstico substituem os critérios do ACR de 1987 e
estão adaptados para o diagnóstico da AR precoce. Segundo esta
publicação, para o diagnóstico na prática clínica devem utilizar-se os
seguintes critérios :
• duas ou mais articulações edemaciadas;
• rigidez matinal, de duração superior a uma hora, nas últimas seis semanas;
• factor reumatóide e anti-CCP podem confirmar o diagnóstico.
Um teste negativo não exclui o diagnóstico.”
• duas ou mais articulações edemaciadas;
• rigidez matinal, de duração superior a uma hora, nas últimas seis semanas;
• factor reumatóide e anti-CCP podem confirmar o diagnóstico.
Um teste negativo não exclui o diagnóstico.”
Os
testes laboratoriais dependerão da duração dos sintomas. Para quadros
clínicos com duração inferior a seis semanas, devem ser pedidas
serologias para infecções virais (p. ex vírus da hepatite B e C e
parvovírus B19), bem como antiCCP, FR, ANA. Para doenças com duração
superior a seis semanas podem ser dispensados os testes virais, excepto
se existirem sinais de doença hepática.
Nos
casos de monoartrite ou poliartrite febril, devem ser realizadas
hemoculturas, a fim de excluir artrite séptica, a qual constitui uma
urgência reumatológica. Deve ser ainda feita uma avaliação basal das
funções hepática e renal, uma vez que podem potencialmente ser afectadas
por algumas terapêuticas usadas no tratamento da artrite reumatóide.
Devem ainda ser radiografadas em dois planos as articulações com
queixas, a fim de serem detectadas alterações, cuja ocorrência é
determinada pelo tempo de evolução da doença e/ou para avaliação basal
do estado das articulações.
Na
presença de um derrame intra-articular e nos casos de dúvida diagnóstica
sobre a sua etiologia inflamatória, a detecção de proliferação sinovial
por ecografia músculoesquelética é diagnóstica. Ainda nestes casos, a
aspiração e exame do líquido sinovial (contagem celular diferencial e
total, proteínas, LDH, glicose, exame bacteriológico directo e cultural e pesquisa de cristais) permite a exclusão de artrite microcristalina (gota e pseudogota) ou infecciosa.
No
entanto, em alguns casos de poliartrite não é possível estabelecer,
mesmo após exames laboratoriais e radiológicos o diagnóstico de certeza,
admitindose, nestes casos, o diagnóstico de poliartrite crónica. O
dinamismo clínico da artrite reumatóide, como de outras doenças
reumáticas, permite que a dada altura da sua evolução surjam sinais ou
sintomas que permitam o correcto diagnóstico.
No
caso da artrite reumatóide, alguns dos seus aspectos têm um valor
diagnóstico particular, por fazerem parte dos critérios ou por serem
altamente sugestivas, como poliartrite periférica simétrica, rigidez
matinal, nódulos reumatóides, alterações laboratoriais típicas e erosões
radiológicas. Os critérios de classificação da American Rheumatism
Association (ARA) (Quadro 1), para os quais foram publicados uma
actualização recente (ver em baixo),
foram desenvolvidos para classificar os doentes como AR, para efeitos
da sua inclusão em estudos epidemiológicos e ensaios clínicos, sendo,
contudo, também utilizados para diagnóstico na pratica clínica diária.
No
entanto, estes critérios não foram desenvolvidos para este fim, mas sim
para agrupar doentes com doença estabelecida no diagnóstico de AR.
Desta forma, a maior parte dos doentes nos estadios precoces da doença
não satisfarão estes critérios, apesar de virem depois a desenvolver um
quadro clínico típico de AR (6). Por outro lado, alguns doentes que
satisfazem inicialmente os critérios diagnósticos poderão evoluir para
outras doenças, como artrite psoriásica, LES, síndrome de Sjögren
primário, esclerodermia, doença mista do tecido conjuntivo, artrite microcristalina, entre outros.
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